Misturança

Brincando com a literatura e, quando possível, com tudo que tenha a ver com arte.
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terça-feira, 27 de janeiro de 2015


Elvis não morreu ou A verdadeira morte de Elvis

Nunca contei a ninguém: conheci Elvis Presley. Foi um momento muito estranho, e tão mórbido, que as palavras nunca conseguiram sair de minha boca, como se tivessem se dissolvido feito areia e sido enterradas na memória.
Foi numa tarde quente do verão argentino, numa casa nos arredores de Buenos Aires. Era a casa de um amigo, nos víamos frequentemente embora não fossemos propriamente íntimos. Havíamos nos conhecido anos antes, através de amigos em comum, em um encontro inesperado, numa livraria, no centro da cidade. Recordo que me surpreendi enquanto falava entusiasmado sobre um autor também argentino – Adolfo Bioy Casares – que reconhecia como o melhor autor latino-americano do século XX. Minha surpresa deitara preguiçosamente no fato de nunca ter ouvido falar em tal nome, e no tom veemente, quase que obsessivo, em que ele falava.


Cheguei em sua casa por volta das três da tarde. Recebeu-me como de costume: cordial, mas reservado. Conversamos por algumas horas. De tempos em tempos interrompia o pensamento, pedia licença e sumia pelo corredor estreito que levava ao interior da casa. Nesses momentos, eu podia distinguir a voz melodiosa de Elvis, que parecia ressoar do chão. Na quarta vez em que a canção começou a tocar, um pouco ansioso e visivelmente incomodado, pediu que o acompanhasse até o porão da casa. Á medida que descíamos as escadas, a voz de Elvis aumentava, e o que era mais estranho é que parecia real e não uma gravação ou sua voz no rádio. Senti meu sangue congelar quando o vi lá, no fundo do porão, vestido como em seu último show, cantando e dançando. Era Elvis. Diante de minha cara de terror e fascínio, meu amigo lentamente contou-me que havia criado uma máquina muito parecida com aquela do romance de Bioy Casares, e que num show, da década de 70 – seu último show – havia capturado a imagem do cantor que eu, ali, presenciava. Dois meses depois, Elvis foi encontrado morto no banheiro de sua mansão, pela namorada.

O pequeno livro do Rock - Hervé Bourhis
A invenção de Morel - Adolfo Bioy Casares

domingo, 11 de janeiro de 2015

Desabafo no exílio

Minha terra tem mais homens
Que vivem a cortejar
Minha querida esposa que resiste
Bravamente até eu chegar

Tempestades, redemoinhos e naufrágios sofrerei
Por Calipso, Polifemo e Circe hei de passar
Do canto da sereia e do monstro Cila vítima serei
Para finalmente a minha terra retornar

Minha terra tem marmanjos
Que com flechas vou furar
Até de mendigo me disfarcei
Para ninguém desconfiar

Não permita, Atena, que eu morra
Sem que antes eu chegue lá
E acabe com a festa desses canalhas
Que todo o meu poder querem tomar!


Odisseia - Homero
Primeiros cantos - Gonçalves Dias